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Aqui, fala-se de filhos e de tudo o resto...
Em conversa casual:
Ela - Tens Facebook?
Eu - Tenho. Quem não tem?
Ela - Eu, desde que o tenho no telemóvel, sinto-me ligada ao mundo.
Eu - Pois... Toda a gente tem Facebook... Até as crianças! Tens filhos?
Ela - Ainda não. E tu?
Eu - Tenho.
Ela - Que idade tens?
Eu - Trinta e oito.
Ela - A sério? Pensei que eras mais nova.
Eu - Pois... Também eu, mas não sou.
Ela - Eu tenho trinta e quatro e ainda não deu para ter filhos. Que idade tem o teu filho? Filho ou filha?
Eu - Filho. Tem nove.
Ela - Ah, então tiveste-o cedo, aos vinte e nove.
Eu - Nem foi assim tão cedo, se comparar com a minha mãe que me teve aos dezanove...
Ela - Eu já senti vontade de ter filhos, mas quando isso aconteceu, eu e o meu namorado decidimos arranjar um cão. Sai mais barato e compensa a vontade de ter filhos.
Eu - Hum...
Ela - Assim, adiámos a decisão de ter filhos.
Eu - Eu não tive vontade. Engravidei e pronto.
Ela - Ah, foi sem querer?!
Eu - Foi.
Ela - Não sei quando vamos ter filhos. Isto está tão difícil...
Eu - Pois está.
(Deixa lá, sempre tens um cão!)
Hora de almoço. Desço a rua em direcção ao Centro Comercial onde geralmente almoço. Passo pelos sem-abrigo já meus conhecidos. Já não são três, são cinco ou seis. Estão reunidos em volta dos pertences que lhes sobram. Talvez tomem conta deles para que não desapareçam como tudo o resto que já lhes desapareceu...
Chego ao Centro Comercial e dirijo-me a uma qualquer cadeia de fast-food. Há imensa gente. Vejo-me rodeada de estrangeiros. Pedem comida em línguas diferentes. Uns tentam falar português. O empregado não percebe o que dizem, mas finge que entende qualquer coisa. Repetem, agora em inglês. O empregado articula um inglês macarrónico na resposta. Finalmente, acertam no menu. Pedem comida que poderiam comer em qualquer canto do mundo. Desta vez, vêm comê-la a Portugal. Usam notas altas para pagar. Vão, satisfeitos de tabuleiro na mão, procurar um lugar onde saborear a comida internacionalmente rasca. Vão contentes e não seguros, tal Leonor vai à fonte descalça. Não sabem, mas os seus pés também vão nus. Vão nus até às almas. Mas vão contentes...
Sou atendida e procuro o meu canto para repastar um lixo idêntico ao dos estrangeiros. Também eu descalça, mas segura. Segura de que preferiria estar no lugar deles, de alma nua, a comer comida internacionalmente rasca noutro qualquer país do mundo.
Encontro-o a custo e sento-me para almoçar sem especial prazer. Observo a azáfama da multidão numa constante troca de cadeiras.
Pouso os olhos na senhora que procura restos de comida nos tabuleiros abandonados. Já a conheço, como aos sem-abrigo. Encontra um copo meio-cheio. Leva-o consigo e continua à caça de algo que lhe encha o estômago.
Enquanto como, sou abordada por uma outra senhora com um carrinho de bebé, que me pede dinheiro. Respondo-lhe que não tenho e continuo a comer o meu lixo refinado. Sigo-a com o olhar. Pede dinheiro a mais gente que a despreza. Tal como eu. Tal como eu...
Acabo a refeição e sigo para fora daquele antro de incoerências.
Deixei o tabuleiro na mesa para a senhora dos restos. Que bondade, nacionalmente rasca, possuo!
Pelo caminho, quase sou abalroada por centenas de jovens que carregam mochilas, tendas, lancheiras, chapéus com nomes de bebidas, peles morenas e olhos ressacados. Trocaram, numa herdade do sudoeste alentejano, as centenas de euros que os pais lhes deram por alucinações, e ilusões, que lhes enchem as algibeiras. Vêm de rastos, mas seguros de que gastar os últimos trocos em comida internacionalmente rasca é fixe.
Finalmente, abandono o antro.
Volto a cruzar-me com os sem-abrigo que já conheço. Conto-lhes os carrinhos de supermercado. Já são oito...
Continuo a caminhar. Vou de rastos, descalça, mas segura.
Segura de que este é um mundo...
...EXTREMAMENTE RASCA.
Como já devem ter reparado, não sou racista, nem xenófoba, mas há uma coisa que me tem estado a fazer "espécie": A quantidade de lojas de comerciantes chineses, que brotam tal cogumelos, por este Portugal fora e, mais especificamente, na minha terra!
Não tenho nada contra chineses, nada mesmo. Nem falaria aqui sobre o facto de serem chineses, se estes não usufruíssem de condições diferentes das dos portugueses no que toca a abrir lojas.
A verdade é que os comerciantes chineses têm condições com as quais os comerciantes portugueses não conseguem competir. Pelo que andei para aqui a investigar na Net, que vale o que vale, o governo chinês paga o aluguer do estabelecimento aos seus conterrâneos que se mantenham em terras lusas durante os primeiros cinco anos. A somar a esta maravilhosa condição a quem pretende abrir um estabelecimento comercial (também através da mesma fonte de informação) estes estabelecimentos não estão completamente licenciados, licenciam-se apenas numa das áreas de negócio e exercem várias. Por fim, os artigos que comercializam são na sua maioria provenientes da China, onde a mão-de-obra é muito mais barata e, consequentemente, os artigos têm uma margem de lucro maior.
Tudo isto serve para dizer que me entristece ver, na minha terra, porta sim, porta sim, uma loja de artigos chineses e, simultaneamente, ver desaparecer um estabelecimento de comércio português por dia.
(Esta terra parece uma cidade fantasma. Está praticamente tudo fechado, com uma tabuleta a dizer "vende-se" ou "aluga-se". As únicas lojas que abrem são lojas de chineses, ora de artigos vários, ora restaurantes supostamente japoneses, ora frutarias.)
Sinto-me numa China, mas não numa China genuína, numa China falsa que tenta adaptar-se, sem sucesso, à cultura europeia. Parece que a nossa identidade está a ser engolida por artigos chineses e que passou a ter a etiqueta "Made in China". E isto, porque há uma concorrência desleal, que injustiça não os estrangeiros como é costume (um mau costume por sinal), mas os nacionais, o que nos torna, além de injustiçados, PARVOS.