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Aqui, fala-se de filhos e de tudo o resto...
Uma e meia da tarde, café-esplanada.
Lá fora, conversa-se de trabalho, troca-se intrigas sobre colegas, come-se, apanha-se sol ou desfruta-se da sombra.
Cá dentro faz-se a mesma coisa sem sol ou sombra. Ouve-se o burburinho da cozinha. Os empregados correm de um lado para o outro querendo chegar sempre a tempo. A miúda nova, sem experiência, ainda delicada, tenta não se perder no corrupio de pratos sujos e lavados, de copos, de bebidas, de menus.
Um casal fala baixinho, procurando momentos de intimidade num lugar cheio gente.
Há quem esteja sozinho. Há quem seja sozinho. Alguns tentam ler o jornal ou o programa das festas de Lisboa no papel que protege as mesas da sujidade dos pratos, da comida, do corrupio.
Uns tentam o silêncio, outros ensurdecer no telemóvel.
Todos vivem a mil tentando parar. Recolhem os cérebros a uma dimensão individual, onde estão mais sozinhos os acompanhados do que os sós.
Hoje de manhã, acordei com o J. a chorar convulsivamente.
- J., que se passa?
- Tive um sonho mau.
- Anda cá, anda para a nossa caminha.
- Estou a assoar-me.
- Anda depois então.
Deitou-se ao meu lado a soluçar.
- Anda cá, menino. - abracei-o - Não chores mais. Foi só um sonho. Já passou.
- Não, mãe. Tenho que lá voltar.
- Não se pode voltar aos sonhos.
- Pode pode. Se fizer força, volto ao mesmo sonho. Tenho que lá voltar para reparar o que fiz.
- Mas o que é que fizeste?
- Não quero dizer.
- Ok, não digas. Mas já passou. E não precisas de lá voltar. Os sonhos são só a nossa imaginação. Tu não fizeste nada de mal.
- Fiz fiz. Não posso fazer mal aos elementos dos meus sonhos. - disse ainda a chorar.
- Mas tu não fizeste nada, só imaginaste que fizeste. Não te preocupes que ninguém ficou magoado. - apertei-o contra o meu peito e dei-lhe beijinhos - Já passou. Foi só um sonho mau. Está tudo bem agora.
Acabou por voltar a adormecer.
Em conversa casual:
Ela - Tens Facebook?
Eu - Tenho. Quem não tem?
Ela - Eu, desde que o tenho no telemóvel, sinto-me ligada ao mundo.
Eu - Pois... Toda a gente tem Facebook... Até as crianças! Tens filhos?
Ela - Ainda não. E tu?
Eu - Tenho.
Ela - Que idade tens?
Eu - Trinta e oito.
Ela - A sério? Pensei que eras mais nova.
Eu - Pois... Também eu, mas não sou.
Ela - Eu tenho trinta e quatro e ainda não deu para ter filhos. Que idade tem o teu filho? Filho ou filha?
Eu - Filho. Tem nove.
Ela - Ah, então tiveste-o cedo, aos vinte e nove.
Eu - Nem foi assim tão cedo, se comparar com a minha mãe que me teve aos dezanove...
Ela - Eu já senti vontade de ter filhos, mas quando isso aconteceu, eu e o meu namorado decidimos arranjar um cão. Sai mais barato e compensa a vontade de ter filhos.
Eu - Hum...
Ela - Assim, adiámos a decisão de ter filhos.
Eu - Eu não tive vontade. Engravidei e pronto.
Ela - Ah, foi sem querer?!
Eu - Foi.
Ela - Não sei quando vamos ter filhos. Isto está tão difícil...
Eu - Pois está.
(Deixa lá, sempre tens um cão!)
Tenho andado a tentar não falar do piropo. Acreditem, tenho tentado mesmo muito.
Como sabem, sou meia agressiva quando toca a estas coisas e evitar o tema tem sido a maneira que encontrei de não ser selvaticamente agressiva.
Mas... (lá vem ela com o "mas"...) tenho andado incomodada com a coisa, por isso vou ter mesmo que falar neste assunto.
Desculpem-me qualquer coisinha, mas vai ter mesmo de ser!
Nisto... aqui vai:
Ponto um - Piropo, geralmente, é sinónimo de agressão. Por mais que se contorne a questão, esta é uma verdade. (Vejam que sublinhei o "geralmente", o que quer dizer "nem sempre", ok?). Partindo deste princípio, qualquer agressão deve ser evitada, certo? Quem nunca ouviu um "lambia-te isto ou aquilo", "essas mamas são muita boas!", ou "fodia-te toda!", e nem vou falar no "eh, carapau!" ou no "és cá uma febra!"(ups, falei!) que atire a primeira pedra. (Contem também frases destas que não vos foram directamente dirigidas, mas a outrem).
Ponto dois - O Bloco de Esquerda discutiu o tema. Não se falou em penalização, proibição ou proposta de lei, ok? Para quê os "ah, vê-se mesmo que estas gajas não têm nada para fazer, agora querem criminalizar o piropo, que é uma característica tão latina" (também é característica latina matar escravos nos circo romanos e, no entanto, a prática caiu em desuso) ou "nos tempos que correm, vão-se preocupar com o piropo? Há tantas coisas mais importantes" ou "O piropo e o ridículo mundo do Bloco".
Ok, há coisas mais importantes, na verdade há, mas o piropo é geralmente ofensivo, por isso a diferença entre utilizá-lo ou não está na questão de haver educação ou não haver. Educação é um tema primordial e, como tal, importante de discutir. Se aquela educação, que vem traçada pelo nosso Mistério da Educação, está pela hora da morte, a sociedade civil tem a obrigação de, pelo menos, a levar a discussão, seja sob que contornos forem fazendo-lhe manobras de reanimação até que as hipóteses de salvamento se esgotem. Ou não?
Ponto três - O quê? Piropo é liberdade de expressão? Em que terra?
Não me lixem! Piropo é sim abuso de expressão! Esqueceram-se da velha frase "a minha liberdade acaba, onde a tua começa"?
A partir do momento em que atentam contra a liberdade de uma pessoa andar na rua sem ser ofendida, estão a passar a linha que separa a liberdade do abuso. Ponto final.
Ponto quatro - "Ah e tal, são galanteios!"
Aqui o "não me lixem" não chega. Não me fodam "masé"! Galanteios para quem? Deve ser para quem nunca levou com um piropo do tipo "enfiava-te a minha verga pela rata acima!"
Se nunca ouviram, deviam ter ouvido, que repensariam as definições de "piropo" e "galanteio" em dois tempos.
Ponto cinco - Reparem que ainda não falei em homens ou mulheres ou em características femininas ou masculinas. E não falei porque o género do ofensor e do ofendido não faz a mínima diferença no grau da ofensa, apenas é relevante no que toca à aceitação da ofensa, pois é socialmente bem aceite os homens serem sexualmente famintos e cederem facilmente ao menor estímulo potencialmente sexual, o que não é de todo verdade e não passa de um mito urbano como tantos outros.
Se fosse verdade seria profundamente triste. Para os homens, claro, que seriam uns fracalhotes extremamente fáceis de manipular e incapazes de resistir aos estímulos mais primários. Pessoalmente, tenho-os em melhor conta, por isso nem vou por aí.
Ponto seis - Agora, reparem que também não falei de trolhas. (Este é mais um mito urbano).
Os piropos não são exclusivos dos trolhas.
Primeiro, porque já quase não há trolhas, devido à crise na construção, e os últimos exemplares que conseguirem vislumbrar num andaime "perto de si", não são portugueses, são maioritariamente russos e ucranianos. E os russos e ucranianos não têm por "tradição latina" dizer patacoadas a quem passa.
Segundo, porque, tal como eu, já devem ter ouvido muito piropo javardo vindo de boquinhas lavadinhas de engravatadinhos com fatinhos Armani muito fofinhos que, pela indumentária, não parece que trabalhem nas obras, mas enfim, ele há coisas do arco-da-velha, e não vamos excluir a hipótese dos engravatadinhos acartarem baldes de massa nos intervalos em que andam a piropar por aí.
Para que é isto, minha senhora?
Os nórdicos não falam com ninguém? Ninguém é atraído por ninguém?
Não me parece. Os nórdicos têm uma taxa de natalidade maior do que a nossa, por isso devem relacionar-se entre eles e, além de falarem, também devem fazer mais filhos. E não me parece que seja com as prostitutas que "estão à venda em montras". Até porque prostitutas em montras só há na Holanda e a Holanda não é um país nórdico. Ups!
As mulheres são sexualmente exploradas no negócio legal da prostituição?
A exploração é quando não se é devidamente pago pelo trabalho. Nos países onde a prostituição foi legalizada, as prostitutas e prostitutos são pagos, têm assistência médica à altura das necessidades, têm horário de trabalho, pagam impostos como todos os outros trabalhadores e auferem direitos na mesma medida. Ali, a mulher prostituta é tão explorada quanto o cientista que vende os neurónios na investigação da cura para o cancro, cara amiga!
E ali, os adeptos dos piropos ficariam mais contentinhos, pois em vez de andarem a tentar retirar alguma satisfação, por mais virtual que ela seja, com quem passa, entregando-se a ofensas várias ao transeunte, poderiam materializar todos os desejos que cospem em cara alheia. Pagando, claro, que "nem todos os gatos são parvos" (adaptação minha) que se deixem explorar quando têm que gramar piropos nojentos e... à borla!