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Aqui, fala-se de filhos e de tudo o resto...
Ontem foi dia de IPO.
Apesar de todas as dores que me causa estar no IPO, é sempre bom ir lá levar um banho de humanidade, de vez em quando. Ao contrário de alguns sítios que temos de frequentar cá fora, ali somos gente, mais do que isso, ali somos gente a cuidar. E a vida também está aí: no cuidar e sermos cuidados.
Naquele lugar onde também mora a morte, apercebemo-nos que damos importância a coisinhas insignificantes diariamente e que estas são minúsculas perante a grandiosidade que encontramos no lenço oferecido por uma estranha a um velhote entubado que não consegue controlar a saliva que lhe escorre; na bandolete com lacinho que circunda a careca da menina que anda de baloiço no parque infantil; no olhar preocupado da mãe que acompanha o filho adulto aos exames; na cabeleira atabalhoada de corte fashion da senhora de meia-idade; na ajuda da enfermeira a ajeitar a echarpe que tapa uma careca luzidia; na mão da mulher que aperta a do marido incapaz de levantar os olhos dos pés; na voz da médica que nos acalma as inseguranças.
E é nestes momentos, em que sentimos a humanidade transbordar à nossa volta, que damos o real valor ao dia lindo que está lá fora e à capacidade de o desfrutar.
É nestes momentos que me sinto imensa por poder sair à rua e, simplesmente, abraçar o dia.
Custa encaixar-me. Qualquer coisa impede que me adapte. Um pensamento, uma palavra, uma sensação... Qualquer coisa que não me sabe bem, um travo amargo na boca, uma comichão no dedo, um zumbido no ouvido... E um arrepio. Pêlos sempre em pé sem a razão do frio.
Custa identificar-me. Uma causa que não me cabe, uma camisola que não me serve, ideologia estreita ou larga demais. E uma nação estranha. Um quê de vazio num espaço desconhecido.
Custa encontrar-me. Dezenas de salas numa casa infinita. Caminhos tortos por corredores apertados, passos lentos na pressa de chegar, vagar azedo. E o ecoar do silêncio.
E sempre o espaço. O espaço que me aperta e desacerta para, enfim, me deixar perder.
Hoje, fui às supostas comemorações do 25 de Abril. O ambiente da manifestação era de enterro, não sei se propositado. Sinceramente, não cheguei a perceber...
De resto, tivemos Neil Diamond e uns espanhóis quaisquer a tocar intercalados com gravações de músicas do Zeca e do Sérgio Godinho cantadas por não sei quem, indianos a vender cravos, selfies e propaganda política a dar c'um pau.
Só me apeteceu fazer o mesmo que o Jesus aqui abaixo.
Aproveitem que não é todos os dias!
Manuel Forjaz morreu este sábado.
Não conhecia a sua história até tropeçar no vídeo da entrevista que o Daniel Oliveira lhe fez. Postei-a aqui na quinta-feira. Não por concordar com ele, não por discordar. Nesta cena do cancro não consigo concordar ou discordar com as pessoas. Posso identificar-me mais com uns do que com outros, mas concordar... não.
O cancro é "um mal pessoal e intransmissível". Cada cancro é um cancro. Cada pessoa sente o seu de maneira diferente. Há quem se isole, há quem chore, quem se revolte, quem se ria dele, quem o ignore, quem o viva intensamente... Há um leque enorme de reacções ao cancro e cada doente tem a sua. Nenhuma reacção é a correcta e nenhuma está errada. O cancro é nosso, só nosso. Por mais que o vivam connosco, ele será sempre só nosso (uma das "coisas boas" é não o podermos passar aos outros), por isso só nós podemos saber como o preferimos viver. Sim, é uma questão de preferência. Ou talvez não... Talvez seja mais uma questão de resistência. Como se lhe conseguimos resistir melhor... Como conseguimos viver com ele, estar aqui estando realmente aqui...
Manuel Forjaz morreu no sábado. Confesso que não senti uma dor especial pela sua morte. Não o conhecia. Mas senti dor pela morte de mais um doente de cancro. Sinto sempre. Cada um que se vai, leva um pouco de mim e da minha esperança. Cada um que se vai, é uma perda para mim e para todos nós, doentes oncológicos em particular, e Humanidade em geral.
Cada um que se vai, é uma dor...
Há lugares que nos habitam para sempre.
Mesmo que os tentem destruir, habitam-nos.
Há lugares que moram em nós, não no espaço que ocupam.
Que carregamos connosco para onde quer que vamos.
Há lugares assim, mais nossos que deles.
Este blogue anda um bocado parado, porque eu queria escrever coisas boas e não consigo. Sinto-me uma merda e não consigo. Tudo está mal. São os dias que correm sem que se passe nada e os dias que demoram até que venham outros dias. Este marasmo enlouquece-me. Estou paralisada na minha inacção. Estou parva, parva que me farto. Não gosto de nada e sinto-me distante de toda a gente. Estou distante até de mim. A minha vida é uma merda e eu não consigo fazer nada para a mudar.
Quero fugir, mais do que de tudo, quero fugir de mim. Sou corrosiva para mim própria. Destruo-me na incapacidade de me construir.
E vivo num nada. Oco e silencioso nada. Nesse mesmo nada que me enche os dias.