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Aqui, fala-se de filhos e de tudo o resto...
Li por aí várias críticas, tanto à entrevista do Dr. Carlos González, quanto aos comentários do Dr. Mário Cordeiro à mesma entrevista. Para ser sincera não li os comentários do Dr. Mário Cordeiro, apenas a entrevista do Dr. Carlos González e não achei nada de tão terrível na entrevista do espanhol que valesse tamanha exaltação. Antes pelo contrário, concordo com a maior parte das opiniões ali expressas, mas penso que a mensagem ou não foi passada da melhor maneira ou a maior parte das pessoas que a critica sentiu-se picada e começou a defender-se desenfreadamente como se o Carlitos a estivesse a recriminar de algo abominável.
Dividindo a entrevista por temas, escolho os seguintes, que me parecem mais relevantes:
1- Castigos
2- Dormir com os pais
3- Disciplina (qualidade interna versus imposição externa)
4- Creches
5- Importância do instinto na educação
6- Comparação das crianças com adultos
1- Pegando nos castigos, já falei AQUI sobre eles. Acho que está praticamente tudo dito. Concordo com o Carlos, os castigos são inúteis. E são-no porque não ensinam nada. Tal como o Carlos diz, deve haver limites, mas apenas os que são razoáveis e lógicos, e acrescento, os que ensinam alguma coisa às crianças e as protegem. Todos os que resultam de autoritarismos devem ser deitados ao lixo.
2- Quanto a dormir com os pais, não acho que seja necessário, acho que é apenas preguiça dos pais para se levantarem 150 vezes durante a noite. Uns acham que vale a pena cederem à preguiça, que compensa o incómodo de dormirem apertados. Enquanto outros - onde me incluo - preferem levantar-se as 150 vezes por noite e as outras 150 vezes que se deitam poderem realmente dormir, confortáveis e sem estarem sempre a pensar se vão ou não acordar com a criança esmagada.
Penso que o co-sleeping não é tão centrado naquilo que a criança quer ou precisa quanto nos querem fazer crer, mas que surge mais agarrado aos confortos dos pais do que aos dos filhos. (Atenção, que digo isto baixinho para não ferir susceptibilidades!) E não me parece nada mal assumir-se isso. Não se é melhor ou pior pai/mãe por se dormir com os filhos. É-se apenas mais ou menos preguiçoso. (Eh eh eh, bricadeirinha!) Porém, parece-me que a partir de uma certa idade os filhos precisam de se tornar mais autónomos dos pais e de que essa autonomia pode passar por dormir sozinho.
3- Aqui, mais uma vez, concordo com o Carlitos. A disciplina vem de dentro! Imposta é efémera.
O que temos de ensinar às crianças é a auto-controlarem-se, não a serem rodeadas de regras e proibições para que estejam controladas. Ou seja, o controle deve ser imposto por elas próprias, com a nossa ajuda, claro, e com regras, claro, mas apenas as estritamente necessárias para que as crianças entendam porque se devem controlar e de que forma o auto-controle as protege.
4- As creches não são realmente o local mais agradável para se entregar um filho de meses, porém são necessárias quando não há mais licença de maternidade ou paternidade que nos valha, nem avós reformados que nos acudam. Podendo escolher, um ambiente familiar e acolhedor é sempre preferível. Acho que aqui não há polémica.
5- O instinto é muito importante na educação dos filhos. Tal como a racionalização e o conhecimento. O ideal é doseá-los todos. E além destes, o exemplo que lhes damos também é muito importante, talvez um dos mais importantes e talvez um dos que mais vezes falhamos.
6- Por favor, o homem só comparou as crianças com adultos para que os adultos percebessem melhor como as crianças funcionam! Segundo parece, não funcionou! Bad choice, 'ma friend!
Ó "migo", deixa lá as famílias em paz! Que tal ires, "masé" testar as tuas condições mínimas para seres ministro, hã?
A ex-AEC "apoio ao estudo", com a redução das AEC e o alargamento do horário escolar, passou a "disciplina" obrigatória, ou seja, não podemos prescindir dela, ou pura e simplesmente, não podemos deixar de inscrever os miúdos nela.
Na minha triste ingenuidade, pensei que o "apoio ao estudo" seria para ensinar os miúdos a estudar, fazerem trabalhos de casa, uma espécie de sala de estudo onde pudessem fazer revisões e colocar questões a um professor. Mas não. O "apoio ao estudo" serve para as crianças terem mais um bocadinho de aulas e até para trazerem mais trabalhos para casa.
Bela merda me saiu este "apoio ao estudo"!
Se os miúdos já têm pouco tempo para respirar com os TPC das aulas, menos terão com os TPC do apoio ao estudo. Gostava de perceber qual foi a ideia de lhe chamarem "apoio ao estudo" se são aulas iguais às outras. Eh pá, gostava. A diferença está onde? No professor? É só para poder ser dado por um professor diferente? Ou é para fazer os pais pensarem que alguém vai ensinar os putos a estudar?
Já que estou numa de perguntas, este enorme horário escolar serve para quê? Para os miúdos ficarem tão automatizados na cena da escola e das aulas que não tenham tempo nem espaço mental para pensarem sobre as matérias que lhes impingem? É isso? Ou é para o lado criativo e crítico também não ter capacidade de se desenvolver muito e eles se tornarem nuns autómatos totós facilmente manipuláveis?
Ok, ok, sou eu que tenho a mania da conspiração!
Relacionar-se cheque-ensino com liberdade é tão estúpido quanto querem que sejamos.
"Ai o cheque-ensino vai dar liberdade de escolha às famílias quanto às escolas que querem que os filhos frequentem!"
Ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!
Repito: Ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!
Liberdade? Onde, onde?
As escolas privadas é que vão ter um maior leque de escolha de alunos que as frequentem. E ainda vão poder subir os preços, porque a procura vai ser bem maior do que a oferta!
Uau, "granda" liberdade, a das famílias!
" Os pais vão poder escolher as melhores escolas para os filhos!"
Ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!
Ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!
E ainda digo mais: Ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah ah!
O que é isso de "melhores escolas"?
São aquelas cheias de meninos ricos que roubam, igualzinho aos meninos pobres, mas com a diferença de não precisarem?
São aquelas em que os meninos vivem em falsas redomas de vidro?
São aquelas em que os professores tratam as crianças por "você"?
Ou, ainda, são as em que os miúdos marram conteúdos sem sequer os questionarem, mas que lhes dão altas notas nuns exames feitos para gente que não pensa sobre o que aprende?
O que é isso afinal de "melhores escolas"? Hum?
Os pais não têm de escolher escolas nenhumas, amigos! As escolas, públicas, é que têm de ser todas boas para os pais não terem de escolher nada. Para bastar matricularem os filhos na escola mais próxima da residência, e pronto, estes estarem automaticamente numa boa escola!
Isso sim, é que é liberdade!
Não, não é a Polícia de Segurança Pública, é mesmo a PlayStation Portable!
Tal como a televisão no quarto, é um alvo a abater, ou melhor a evitar! Ou seja, o meu filho não vai ter!
Pior do que a televisão no quarto, as MEMEQL (Máquinas de Entreter Meninos em Qualquer Lado) são demasiado perigosas!
"Oh, que dramática!", dirão alguns.
Prefiro ser dramática a ter um filho sossegadinho e fechado, permanentemente, num mundinho virtual!
"Ah e tal, mas eles ficam entretidos, enquanto temos coisas para fazer!".
Entretidos não, hipnotizados! Prefiro ter um filho que não se cala um minuto, que faz perguntas atrás de perguntas, que cansa, podem crer que cansa até bastante, a ter filho que mais parece um zombie.
"Ah, mas são óptimas para eles sossegarem, quando vamos, por exemplo, jantar fora!"
Pois... Prefiro mesmo passar o jantar a dizer "está quieto!", "tem calma, que já nos vamos embora!", "não mexas aí!", "aguenta, que é só mais bocadinho!" e incluí-lo nas conversas, do que ter um robot como companhia ao jantar! Ou se não estou mesmo com paciência (sim, às vezes, também não tenho paciência, não é nenhum crime, ou é?) para ter um jantar atribulado e quero estar descansada, deixá-lo em casa dos avós e ir sozinha jantar com o pai dele é a opção mais sincera, mais sensata, mais leal. E opto por ela várias vezes! Mas quando estou com o meu filho, estou realmente com ele, não com um boneco engraçadinho que não mexe outra coisa senão os dedos, que não fala outra coisa senão "ganhei!" ou "perdi", que não olha para outro lado senão para um pequeno ecrã com bonequinhos a correr para um lado e para o outro. Tenho uma criança comigo, com tudo o que isso implica! Porque ter filhos não é só fazê-los, vesti-los e dar-lhes de comer. Ter filhos é estar com eles, é aturá-los, sim aturá-los, eles às vezes são chatos e nós, como pais, temos que os aturar. Tal como eles têm que nos aturar a nós. É assim! As relações fazem-se muito de paciência e onde há amor, tem que haver paciência, muita paciência até!
O pacote "filhos" não vem só com coisas boas e fáceis, vem também com coisas más, chatas e difíceis. Filhos não são sinónimo de serenidade! Filhos são atribulação, são instabilidade, são medos, dúvidas, interrupções. Quem tem filhos não tem sossego nunca! Até quando os deixamos em casa dos avós para termos um jantar sossegados, eles estão sempre connosco em pensamento. Pensamos se estão bem, se comeram tudo, se estão divertidos, se se sentem bem. No fundo, eles continuam a estar presentes no jantar, apenas não estão lá fisicamente.
E as "Máquinas de Entreter Meninos em Qualquer Lado" são perigosas porque nos tiram os nossos filhos, eles deixam de ser nossos para serem filhos das máquinas e são elas que os educam. A realidade deles passa a ser o mundo virtual das máquinas e dos jogos e nós, pais reais, passamos a ser os virtuais.
Eu não quero ser virtual, nem quero ter um filho sossegadinho mas ausente. Quero o pacote todo. Com tudo o que isso implica! Quero o meu chato a chatear-me de vez em quando e poder dizer-lhe "sossega um bocadinho, ok?".
A Pseudo escreveu assim: "Que exagero, Mammy! O programa só tem esse objectivo em mentes muito mesquinhas. Ele é essencialmente usado para verificar o consumo do cartão. :)". (http://sermaeetramado.blogspot.pt/2013/09/giae-ai-ai.html)
E eu respondo assim:
Pseudo, Tens razão, sou um bocado exagerada e, por vezes, sinto as coisas mais fortes do que elas são na realidade. Mas no caso desta plataforma, infelizmente, não me parece que seja exagero meu.
Senão vejamos: - a plataforma GIAE tem mais funcionalidades do que a de verificação dos consumos do cartão. Através dela, além dos consumos em almoços e papelaria, respectivos carregamentos e marcações das refeições, os pais têm acesso aos sumários das aulas, faltas dos alunos e dos professores e, conseguem até saber se o seu educando chegou atrasado à aula (caso o professor lhe marque falta e depois da sua chegada, a retire).
Saber tudo isto não seria um problema se fosse contado pelo educando ao educador, ou até mesmo pelo professor aos pais. Mas quando é sabido através de uma plataforma informática, aí, passa a ser um problema. Porque se corta no diálogo e se o substitui por um clique; porque seguir os filhos através de um ecrã de computador dá uma falsa ideia de controlo e acompanhamento; e porque, ao utilizarmos estes meios impessoais e à distância, estamos a permitir que nos afastem fisicamente dos nossos filhos, em prol de uma falta de tempo para os acompanhar que acabamos por consentir.
Seguir os filhos através de um computador não é segui-los, não é apoiá-los, não é estar presente. É camuflar a nossa ausência na vida deles, enganando-nos com a ideia de que sabemos o que fazem, como estão e do que precisam. Na verdade, através do GIAE não sabemos nada sobre eles, mas achamos que sim. E isso é que é perigoso, o fingimento para connosco próprios, para com os pais que deixámos de ser sem sabermos.
O clique que nos ilude com a falsa presença permanente na vida dos nossos filhos devora a proximidade, o diálogo, a relação pais/filho. Consome-a e substitui-a por um nada que achamos tudo.
E é isso que me assusta!
Hoje, tomei conhecimento DESTA BELA FERRAMENTA e fiquei atónita. Informação informatizada dos vários intervenientes nas escolas, cujo acesso é permitido a encarregados de educação, alunos, docentes e funcionários. Acessos diferentes, é certo, mas acessos que permitem, no caso dos encarregados de educação, seguirem os passos dos filhos como se eles estivessem num qualquer reality show. Comecei a imaginar a alegria que alguns pais deverão sentir em poder saber o que fazem os filhos na escola à distância de um simples clique, no sentimento de controlo que os deverá invadir e na sensação de descanso que terão por manterem os filhos "sempre debaixo de olho".
E aí, caiu-me a ficha.
A impressão de que valores, como a confiança e a responsabilidade, se estão a esvair num sopro, de que a comunicação interpessoal e familiar se perde a cada dia, e de que as relações virtuais se estão subtilmente a instalar, tomou posse de mim. Senti o coração a reduzir-se ao tamanho de uma noz. A capacidade de resiliência começou a abandonar-me e uma enorme sensação de perda apoderou-se do meu íntimo. O medo instalou-se, apavorando-me as entranhas, e os braços teimaram em deixar-se cair.
Tudo o que sempre defendi, tudo em que acreditei, está cada vez mais longe. Não porque a crença se tenha evaporado, mas porque o mundo está a engolir as relações humanas num ápice. E a incapacidade de as segurar, enquanto me escorrem por entre os dedos, tortura-me. Por mais que eu queira continuar a acreditar que a força anímica é a mais poderosa de todas e que as pessoas se constroem muito pelas relações humanas que vão cultivando, o meu coração de mãe tem que se render à evidência de que esta luta é tão dura quanto inglória.
E vejo, agora, que não luto só por proporcionar, ao meu filho, a possibilidade de se tornar numa pessoa mais rica interiormente, num coração maior, numa pessoa inteira e feliz, mas que também luto, (in)cansavelmente, contra tudo o que me rodeia.