Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Aqui, fala-se de filhos e de tudo o resto...
Às vezes, sinto-me sozinha. Tão sozinha, neste mundo, que acho que ninguém me entende. Nessas alturas, falo contigo e sinto-me menos sozinha. Ou acompanhada na minha solidão. Vejo-nos aos dois, juntos e sós, no meio de uma multidão. Chega a ser claustrofóbico. Tento respirar o ar dos outros, mas ele não me chega. Não nos chega. Tento falar-lhes, mas não me ouvem. Ou fingem que não ouvem. Ou não me saem palavras que queiram entender.
Às vezes, esta solidão preocupa-me. Outras não. Sei que estás aqui.
E isso chega-me.
Vim aqui só avisar que ando a ler a Biografia Involuntária dos Amantes para o caso de alguém estar interessado em saber.
Continuo com a síndrome das folhas em branco que no meu caso nunca foi página, já deixou de ser folha para passar a ser folhas e vou a caminho do caderno. Ou seja, continuo aparvalhada. Não me liguem, ok?
Uma multidão cerca-nos. Olhamos em volta e só caras desconhecidas. Tentamos decifrar expressões, ler pensamentos, ver para além das expressões e dos pensamentos.
E nada.
Fechamos os olhos e inventamos histórias para as caras que se gravaram na nossa mente. Imaginamo-las íntimas entre elas, a amarem-se e odiarem-se num quotidiano monótono em que as conseguimos ver a acordar, a lavarem-se, a vestirem-se, a comer, a abandonarem-se.
Caras estremunhadas, caras desconhecidas estremunhadas. Abandonadas.
Somos nós que as rodeamos agora. Tal predador em volta da presa, cheiramo-las, inspiramos-lhes o odor até nos inebriarmos de fome e nos fixarmos na ideia de as devorar.
Num salto, atacamos-lhes o pescoço da alma e sorvemos-lhes a essência. Sugamo-las por inteiro até as possuirmos. São nossas. São nossas.
É a partir deste momento que as podemos estampar numa folha de papel e escrevê-las, desenhá-las, apagá-las e reescrevê-las novamente a nosso bel-prazer. São nossas.
Cheguei à conclusão que o meu coração é elástico.
Com os anos, vai-se a elasticidade da pele, mas fica a do coração. Melhora a do coração. Com a idade, tenho aprimorado a capacidade de encolher e esticar o coração num, cada vez, menor espaço de tempo.
Numa questão de segundos, o órgão que me comanda as pulsações passa de minúsculo a enorme. Ora me ocupa o peito todo e ainda me sobra para a barriga e pescoço, ora tenho que o procurar duvidando se não se perdeu por algum vaso sanguíneo.
Não digam a ninguém, mas ando desconfiada que a culpa desta elasticidade cardíaca é do meu filho... À medida que vai crescendo e saindo debaixo das minhas saias e asas, o meu coração intensifica os exercícios de estica/encolhe, estica/encolhe.
Volta e meia, o puto faz algo grandioso (sim o meu filho faz muitas coisas grandiosas) e o meu coração deixa de caber em mim. Meia volta e uma, está longe da saia e da asa e eu de rabo para o ar à procura de um coração minúsculo que me saltou do peito.
Dizem as más-línguas que isto não fica assim, que quanto mais os filhos crescem, mais os corações dos pais se exercitam e ficam qual fanático do desporto.
Oxalá se enganem...
Não se chorava ali. Cruzavam-se conversas do tempo, da escola, de negócios. De vez em quando do T.. Amigo, diziam. "Ele costumava passear-me na altura em que me separei. Pensava que estava pior do que realmente estava e achava que me distraía se me passeasse". Fez o mesmo com a minha mãe, lembrei-me. Passeou-a bastante para a distrair.
"Todos os sábados, ligava ao T. para tomarmos café. Este sábado ele já não está cá". Este sábado, o café já não vai saber ao mesmo e o mundo será mais pobre. Perdeu um amigo.
Não se chorava ali. E o assunto mudava. Falava-se do tempo, da escola, de negócios. De vez em quando do T.. "Não trataram dele como deviam no hospital. Um dia, cheguei lá e o ar-condicionado estava a quinze graus. O T. tremia."
Já não treme agora. Nem o encontramos mais na rua. Ficamos à espera de o ouvir falar sobre o estado do país. Ficamos à espera das suas palavras tão certas. E da sua resistência. Resistência ao mundo, e às doenças. Era um sobrevivente, diziam. E o mundo perdeu mais um.
"Onde estiveste, mãe?"
"No cemitério"
"Quem morreu?"
"O T."
"Porque não me contaste antes?"
Para te poupar... Talvez... Pensei que podia não ser preciso contar-te...
"Não sei como reagir à morte, mãe."
E eu não sei como explicar-te a morte, filho.
"Eu conhecia-o. Falei com ele. Não sei como reagir à morte."
E eu não sei explicar-ta.
"Devias ter-me contado mais cedo."
Pois devia. Talvez... Podia não ter sido preciso contar-te...
Cheiro da rua sem escapes
Ar, narinas adentro, até ao fundo
Céu rosa e amarelo lá longe onde a paisagem se faz tela
Saudades da terra e da erva
Saudades dos fios da palha nos dedos
Rua que passa na janela do comboio à distância do vento na face
Boca aberta e língua encortiçada pela pressa da viagem
Saudades do tempo sem fim
O meu computador morreu.
Sim, morreu! Num belo dia apagou-se! Assim, plim, foi-se! Ficou todo escuro e não acordou mais.
Ando no Magalhães do J., agora. Quem disse que os Magalhães não serviam para nada, hã? É muito bom este bichinho. Parece um caracol, pois faz tudo devagarinho, mas faz. Cá vai fazendo... Abre janelinha aqui, pensa se me mostra o vídeo ou não ali, dá-me um som muito baixinho acolá, mas cá vai andando.
Hoje, lá tive que ir à procura de um computador mais para o meu tamanho.
Nisto da procura e a sentir-me "descomputurada", entrei na onda nostálgica de quando não tínhamos computador em casa. Em conversa com o pai do J., sai-me "naquele tempo em que respondia, orgulhosa, aos vendedores da Meo e da Zon que não tínhamos computador, lembras-te?". E ele lembrou-se. E nós lembrámo-nos. Naquele tempo em que éramos mais felizes... Ele diz-me " naquele tempo em que tínhamos mais tempo..." Eu digo "naquele tempo em tínhamos mais tempo um para o outro..."
Oh, naquele tempo...
Morram os computadores morram! Pim!