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Sei Que Estás Aqui

por Mammy, em 27.07.14

Às vezes, sinto-me sozinha. Tão sozinha, neste mundo, que acho que ninguém me entende. Nessas alturas, falo contigo e sinto-me menos sozinha. Ou acompanhada na minha solidão. Vejo-nos aos dois, juntos e sós, no meio de uma multidão. Chega a ser claustrofóbico. Tento respirar o ar dos outros, mas ele não me chega. Não nos chega. Tento falar-lhes, mas não me ouvem. Ou fingem que não ouvem. Ou não me saem palavras que queiram entender.

 

Às vezes, esta solidão preocupa-me. Outras não. Sei que estás aqui.

E isso chega-me.

 

publicado às 02:18

"A Morte Saiu À Rua"

por Mammy, em 25.06.14

Não se chorava ali. Cruzavam-se conversas do tempo, da escola, de negócios. De vez em quando do T.. Amigo, diziam. "Ele costumava passear-me na altura em que me separei. Pensava que estava pior do que realmente estava e achava que me distraía se me passeasse". Fez o mesmo com a minha mãe, lembrei-me. Passeou-a bastante para a distrair. 

"Todos os sábados, ligava ao T. para tomarmos café. Este sábado ele já não está cá". Este sábado, o café já não vai saber ao mesmo e o mundo será mais pobre. Perdeu um amigo. 

Não se chorava ali. E o assunto mudava. Falava-se do tempo, da escola, de negócios. De vez em quando do T.. "Não trataram dele como deviam no hospital. Um dia, cheguei lá e o ar-condicionado estava a quinze graus. O T. tremia."

Já não treme agora. Nem o encontramos mais na rua. Ficamos à espera de o ouvir falar sobre o estado do país. Ficamos à espera das suas palavras tão certas. E da sua resistência. Resistência ao mundo, e às doenças. Era um sobrevivente, diziam. E o mundo perdeu mais um.

 

"Onde estiveste, mãe?"

"No cemitério" 

"Quem morreu?" 

"O T." 

"Porque não me contaste antes?"

 

Para te poupar... Talvez... Pensei que podia não ser preciso contar-te...

 

"Não sei como reagir à morte, mãe."

 

E eu não sei como explicar-te a morte, filho.

 

"Eu conhecia-o. Falei com ele. Não sei como reagir à morte." 

 

E eu não sei explicar-ta. 

 

"Devias ter-me contado mais cedo."

 

Pois devia. Talvez... Podia não ter sido preciso contar-te...

 

publicado às 04:24

Chego Tarde

por Mammy, em 10.06.14

Tento adivinhar-te

Aqui, a esta pouca distância

 

Será que já dormes?

 

Imagino-te o sono lento

E solto

A respiração compassada

As costas trémulas

Acordar-te

Ou adormecer-te no meu regaço

 

Será que já dormes?

 

E chego tarde

Como sempre.

 

publicado às 00:55

Tempo Sem Fim

por Mammy, em 09.06.14

Cheiro da rua sem escapes

Ar, narinas adentro, até ao fundo

Céu rosa e amarelo lá longe onde a paisagem se faz tela

 

Saudades da terra e da erva

Saudades dos fios da palha nos dedos

 

Rua que passa na janela do comboio à distância do vento na face

Boca aberta e língua encortiçada pela pressa da viagem

 

Saudades do tempo sem fim

 

publicado às 00:43

Morram os Computadores Morram! Pim!

por Mammy, em 06.05.14

O meu computador morreu.

Sim, morreu! Num belo dia apagou-se! Assim, plim, foi-se! Ficou todo escuro e não acordou mais. 

Ando no Magalhães do J., agora. Quem disse que os Magalhães não serviam para nada, hã? É muito bom este bichinho. Parece um caracol, pois faz tudo devagarinho, mas faz. Cá vai fazendo... Abre janelinha aqui, pensa se me mostra o vídeo ou não ali, dá-me um som muito baixinho acolá, mas cá vai andando.

 

Hoje, lá tive que ir à procura de um computador mais para o meu tamanho. 

Nisto da procura e a sentir-me "descomputurada", entrei na onda nostálgica de quando não tínhamos computador em casa. Em conversa com o pai do J., sai-me "naquele tempo em que respondia, orgulhosa, aos vendedores da Meo e da Zon que não tínhamos computador, lembras-te?". E ele lembrou-se. E nós lembrámo-nos. Naquele tempo em que éramos mais felizes... Ele diz-me " naquele tempo em que tínhamos mais tempo..." Eu digo "naquele tempo em tínhamos mais tempo um para o outro..." 

 

Oh, naquele tempo...

 

 

Morram os computadores morram! Pim!

 

publicado às 00:59

Espaço

por Mammy, em 28.04.14

Custa encaixar-me. Qualquer coisa impede que me adapte. Um pensamento, uma palavra, uma sensação... Qualquer coisa que não me sabe bem, um travo amargo na boca, uma comichão no dedo, um zumbido no ouvido... E um arrepio. Pêlos sempre em pé sem a razão do frio. 

 

Custa identificar-me. Uma causa que não me cabe, uma camisola que não me serve, ideologia estreita ou larga demais. E uma nação estranha. Um quê de vazio num espaço desconhecido.

 

Custa encontrar-me. Dezenas de salas numa casa infinita. Caminhos tortos por corredores apertados, passos lentos na pressa de chegar, vagar azedo. E o ecoar do silêncio. 

 

E sempre o espaço. O espaço que me aperta e desacerta para, enfim, me deixar perder.

 

publicado às 00:18

O Cancro - Uma Vez Mais

por Mammy, em 08.04.14

Manuel Forjaz morreu este sábado. 

Não conhecia a sua história até tropeçar no vídeo da entrevista que o Daniel Oliveira lhe fez. Postei-a aqui na quinta-feira. Não por concordar com ele, não por discordar. Nesta cena do cancro não consigo concordar ou discordar com as pessoas. Posso identificar-me mais com uns do que com outros, mas concordar... não.

 

O cancro é "um mal pessoal e intransmissível". Cada cancro é um cancro. Cada pessoa sente o seu de maneira diferente. Há quem se isole, há quem chore, quem se revolte, quem se ria dele, quem o ignore, quem o viva intensamente... Há um leque enorme de reacções ao cancro e cada doente tem a sua. Nenhuma reacção é a correcta e nenhuma está errada. O cancro é nosso, só nosso. Por mais que o vivam connosco, ele será sempre só nosso (uma das "coisas boas" é não o podermos passar aos outros), por isso só nós podemos saber como o preferimos viver. Sim, é uma questão de preferência. Ou talvez não... Talvez seja mais uma questão de resistência. Como se lhe conseguimos resistir melhor... Como conseguimos viver com ele, estar aqui estando realmente aqui...

 

Manuel Forjaz morreu no sábado. Confesso que não senti uma dor especial pela sua morte. Não o conhecia. Mas senti dor pela morte de mais um doente de cancro. Sinto sempre. Cada um que se vai, leva um pouco de mim e da minha esperança. Cada um que se vai, é uma perda para mim e para todos nós, doentes oncológicos em particular, e Humanidade em geral.

 

Cada um que se vai, é uma dor...

publicado às 03:00


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